terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Natal na comunidade

Pois é, às vezes a vida tem destas coisas. Natal dentro de uma comunidade ... Então e os pais, os amigos, os filhos ...?
Pois, mas quando andávamos cá fora, muitos de nós literalmente na rua, onde é que ficava a família ?
Obviamente, como tudo na vida, em segundo lugar, em primeiro lugar, já sabemos o que é que vinha.
Eu passei 2 natais em comunidade, sei bem do que falo, mas mesmo assim, "eles"tentam minorar as sequelas com uma festa onde vão as famílias, onde podemos dar largas à imaginação e por a quinta bonita e se ela fica bonita! Temos teatro, convívio com ex-residentes, lanche melhorado... tenta-se disfarçar o facto de estarmos lá dentro.
Lembro-me que depois das famílias se irem embora, tínhamos uma reunião com o monitor de serviço para todos dizerem o que sentiram e eu não disse uma palavra. Estava revoltado, angustiado e não saiu nada. Tive de passar por isso, tive que sentir na pele as consequências de uma vida de drogas e no fim ainda descobri que tinha amigos, pessoas que no final vieram falar comigo preocupadas e o monitor deixou excepcionalmente fazer um telefonema à minha mãe.
Eu sou muito céptico, não acredito muito facilmente nas coisas, mas se calhar, nessa noite o rapaz lá de cima estava a olhar para estes lados.

Bom Natal a todos

domingo, 20 de dezembro de 2009

Carta Aberta

Disseram-me uma vez que se continuarmos a usar drogas só temos três sítios onde vamos parar, o hospital, a prisão ou o cemitério.
No teu caso é mesmo para ficar a pensar, pois saíste da prisão, foste para uma comunidade, concluís o tratamento, ficas lá a trabalhar como monitor e agora morres. Bolas.
Para quem andava naquela comunidade não eras propriamente o monitor preferido. Eras bastante assertivo, directo e acima de sarcástico. Tinha que se aprender a gostar de ti. Se quiséssemos.
Também não tinhas de agradar a toda a gente.

Eu não me esquecerei de uma vez em que estava com vontade de me vir embora e tu, que sabias da minha dificuldade em pedir ajuda, levaste-me e às minhas coisas para a biblioteca. Ficamos longos minutos calados. Quando estamos nervosos não ouvimos ninguém.
E depois falaste. Falaste de ti, de como tinhas mudado desde o corte com as drogas. Mas não foi do que falaste que me tocou, não foi por isso que fiquei. Essa conversa é normal, faz parte do trabalho dos monitores. O que me tocou foi a tua sinceridade, a tua preocupação genuína.
Foi o alerta "Luís, como tu estás, daqui a uns meses tás cá outra vez." Não tenho de o fazer mas, muito obrigado por isso.

Tenho a certeza que nos vamos ver um dia.

Um abraço do ex-residente para o ex-monitor

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Excesso de confiança

Desde tema, alias como em (quase) todos, falo com a voz da experiência. A tendência de quem sai de uma comunidade ou de um centro de tratamento é de vir tipo pavão "agora ja sei como se faz para não la ir, nada me incomoda, nem nada me afecta.

Pura ilusão.

So à conta de pensar assim, ja recai eu uma vez. Vinha de uma instituição e estava exactamente assim, nada me tocava e continuava a parar com o pessoal do "passado". Obviamente as conversas eram as mesmas de antes e de sempre "onde é que é bom?", "quem é que esta agora a disparar?".

Eles estavam exactamente na mesma, eu é que pensava que estava diferente.

E até estava um pouco, mas la esta, o excesso de confiança levou-me a estar com eles todos os dias e principalmente a tentar que eles viessem para o "meu" lado, o lado dos que não consumiam.

Definitivamente não pode ser assim, porque por muito preparado que estejas é mais facil seres tu a passar para o lado deles, pois todas aquelas conversas, rituais, movimentos, mexem contigo. Até podes aguentar 1 semana, duas, três, um mês, mas um dia em que venhas mais fragilizado, mais vulneravel ou com mais problemas na cabeça, não hesitas e vais la novamente.

Portanto, não se ponham a jeito, não ha campeões nem herois nas drogas.

Tentem fazer novas amizades, vão a salas de NA, vão ao CAT, mas nunca, nunca mesmo se juntem a quem ainda esta a consumir. Se o fizerem, o mais certo é acabarem novamente a usar.