Pois é, às vezes a vida tem destas coisas. Natal dentro de uma comunidade ... Então e os pais, os amigos, os filhos ...?
Pois, mas quando andávamos cá fora, muitos de nós literalmente na rua, onde é que ficava a família ?
Obviamente, como tudo na vida, em segundo lugar, em primeiro lugar, já sabemos o que é que vinha.
Eu passei 2 natais em comunidade, sei bem do que falo, mas mesmo assim, "eles"tentam minorar as sequelas com uma festa onde vão as famílias, onde podemos dar largas à imaginação e por a quinta bonita e se ela fica bonita! Temos teatro, convívio com ex-residentes, lanche melhorado... tenta-se disfarçar o facto de estarmos lá dentro.
Lembro-me que depois das famílias se irem embora, tínhamos uma reunião com o monitor de serviço para todos dizerem o que sentiram e eu não disse uma palavra. Estava revoltado, angustiado e não saiu nada. Tive de passar por isso, tive que sentir na pele as consequências de uma vida de drogas e no fim ainda descobri que tinha amigos, pessoas que no final vieram falar comigo preocupadas e o monitor deixou excepcionalmente fazer um telefonema à minha mãe.
Eu sou muito céptico, não acredito muito facilmente nas coisas, mas se calhar, nessa noite o rapaz lá de cima estava a olhar para estes lados.
Bom Natal a todos
terça-feira, 22 de dezembro de 2009
Natal na comunidade
domingo, 20 de dezembro de 2009
Carta Aberta
Disseram-me uma vez que se continuarmos a usar drogas só temos três sítios onde vamos parar, o hospital, a prisão ou o cemitério.
No teu caso é mesmo para ficar a pensar, pois saíste da prisão, foste para uma comunidade, concluís o tratamento, ficas lá a trabalhar como monitor e agora morres. Bolas.
Para quem andava naquela comunidade não eras propriamente o monitor preferido. Eras bastante assertivo, directo e acima de sarcástico. Tinha que se aprender a gostar de ti. Se quiséssemos.
Também não tinhas de agradar a toda a gente.
Eu não me esquecerei de uma vez em que estava com vontade de me vir embora e tu, que sabias da minha dificuldade em pedir ajuda, levaste-me e às minhas coisas para a biblioteca. Ficamos longos minutos calados. Quando estamos nervosos não ouvimos ninguém.
E depois falaste. Falaste de ti, de como tinhas mudado desde o corte com as drogas. Mas não foi do que falaste que me tocou, não foi por isso que fiquei. Essa conversa é normal, faz parte do trabalho dos monitores. O que me tocou foi a tua sinceridade, a tua preocupação genuína.
Foi o alerta "Luís, como tu estás, daqui a uns meses tás cá outra vez." Não tenho de o fazer mas, muito obrigado por isso.
Tenho a certeza que nos vamos ver um dia.
Um abraço do ex-residente para o ex-monitor
sexta-feira, 4 de dezembro de 2009
Excesso de confiança
Desde tema, alias como em (quase) todos, falo com a voz da experiência. A tendência de quem sai de uma comunidade ou de um centro de tratamento é de vir tipo pavão "agora ja sei como se faz para não la ir, nada me incomoda, nem nada me afecta.
Pura ilusão.
So à conta de pensar assim, ja recai eu uma vez. Vinha de uma instituição e estava exactamente assim, nada me tocava e continuava a parar com o pessoal do "passado". Obviamente as conversas eram as mesmas de antes e de sempre "onde é que é bom?", "quem é que esta agora a disparar?".
Eles estavam exactamente na mesma, eu é que pensava que estava diferente.
E até estava um pouco, mas la esta, o excesso de confiança levou-me a estar com eles todos os dias e principalmente a tentar que eles viessem para o "meu" lado, o lado dos que não consumiam.
Definitivamente não pode ser assim, porque por muito preparado que estejas é mais facil seres tu a passar para o lado deles, pois todas aquelas conversas, rituais, movimentos, mexem contigo. Até podes aguentar 1 semana, duas, três, um mês, mas um dia em que venhas mais fragilizado, mais vulneravel ou com mais problemas na cabeça, não hesitas e vais la novamente.
Portanto, não se ponham a jeito, não ha campeões nem herois nas drogas.
Tentem fazer novas amizades, vão a salas de NA, vão ao CAT, mas nunca, nunca mesmo se juntem a quem ainda esta a consumir. Se o fizerem, o mais certo é acabarem novamente a usar.
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
Sobre a importância de uma comunidade
Hoje escrevo um pouco sobre a falta que faz frequentarmos uma comunidade terapêutica. No meu caso foi /está a ser fundamental.
Foi lá que me conheci melhor e que me dei a conhecer melhor também. Descobri muitos defeitos, que normalmente me tramam a vida e além de os descobrir mais importante ainda, aprendi a lidar com eles cá fora, pois até ir para uma comunidade, para qualquer problema que tinha so havia uma solução. Consumir.
Consegui também descobrir qualidades. Essas são mais dificeis, porque normalmente somos pessoas tendencialmente depressivas, com baixa auto-estima, negativas, problemáticas... quer dizer, raramente vimos as coisas boas, mas qué las ay, las ay.
Depois aprendemos coisas tão basicas como levantar a horas, fazer a cama, ou seja, pequenas responsabilidades que, como devem calcular, lá fora não existiam, pois era cada um por si.
Por falar em cada um por si, lá dentro temos um grupo, pertencemos a algo. O que para nos é, ou melhor, era quase impossivel.
Aprendi o valor da amizade sem ter que dar um pacote em troca, aprendi o valor da ajuda, pois muitas vezes estava a precisar dela e havia sempre alguém disponivel, e vice versa. Enfim, aprende-se valores e principios que normalmente até cá estão dentro de nos. Estão é esquecidos e armarfanhados pelas muitas drogas que metemos.
Obvio que tudo se aprende se se quiser, pois se formos para lá mentir vamos sair exactamente como entramos.
Ah! outra coisa, há vários tipos de comunidades, com diferentes programar terapêuticos e se virem que o primeiro onde vão não é para voces, não desistam, tentem outros, eu so acertei ao terceiro, por isso... abraço e boas leituras .
Voltarei a este assunto mais tarde ...
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
Confiança
Eis um dos busílis da questão da toxicodependência. É das coisas que talvez se perde com mais facilidade e que é muito difícil reconquistar. Todos “nós” enganámos, mentimos, fizemos trinta por uma linha para arranjar dinheiro para usarmos drogas e muitas vezes traímos a confiança de quem mais gostávamos, pais, mães, mulheres, namoradas, filhos, amigos, etc. Eu sei e vocês sabem que são coisas que acontecem no uso das drogas, mas eles não tinham nada que levar com isso e perdem a confiança completa em nós. Isto está um pouco interligado com o que já escrevi, pois cada vez que recaímos e voltamos a pôr-nos de pé, muitas vezes dizemos a todas estas pessoas “agora é que é, desta é que vou conseguir”, algumas vezes é realmente verdade, mas a grande maioria recai novamente. As estatísticas estão contra nós, só uma mínima minoria consegue largar completamente as drogas. Cabe a cada um de nós contrariar esses números.
É obvio que vamos passar (eu passei e continuo a passar) por sentimentos de injustiça, revolta, indiferença, pois ao princípio quase ninguém vai acreditar em nós, mas não desistam. Eu penso e falo muito na auto-valorização, na auto-estima em cima, porque acredito que são factores fundamentais para andarmos para a frente e não baixarmos os braços, mesmo quando ninguém acredita em nós.
No meu caso, talvez seja, apesar de tudo um privilegiado, pois continuo a ter pessoas (poucas, raras) que ainda acreditam, ou fazem por acreditar em mim e me veêm diferente. Mas mesmo assim tenho de provar a mim mesmo e a eles que estou realmente mudado., que não preciso de mentir, nem enganar, para que eles contem comigo.
Ao contrário também é verdade. Vivi quase sempre no mundo das drogas, logo, no mundo da desconfiança e hoje em dia é-me muito, mas muito difícil confiar nas pessoas, mesmo nas mais chegadas. Mas estou a fazer um esforço para o conseguir e sabem uma coisa ? Está mesmo a valer a pena.
Obvio que ainda me custa muito ouvir "onde estiveste ? e com quem ? e porque é que não atendeste o telefone ? ..." mas vejo isso como uma factura que estou a pagar por 20 anos de mentiras. E também, porque sempre vivi assim, no meio de enganos, o que tenho a perder em confiar, partilhar, desabafar em alguém que posso confiar ? Nada. Eu tenho feito isto ainda que com alguns erros pelo caminho, mas acreditem que me tem sabido bem.
Arrisquem e confiem, vão ver que se vão sentir melhor.